14.9.05

Carta

Queria poder te mandar esta carta. Mas não sei seu endereço. Seria impossível que ela chegasse, enfim. Não será por isso que não irei fazê-la. Pelo contrário. Irei até o final. Para que eu possa reler finitas vezes, pois sei que volta. Recitá-la-ei, portanto, de tanto que lhe sei, quando retornares.

Tolice minha ater-me diante da falta de sua localização. Estás tão perto que sequer preciso escrever. Basta que eu pense, mudo e estático, para que te alcance. Não necessito mover um músculo para sentir-te por completo. Deixarei que minha saudade envolva você. Na eternidade de meus momentos, estarei tão perto que será difícil separarmo-nos.

Condição que já ocorre. Mesmo desunidos pela lacuna física que nos distancia, o sentimento que nos permeia, preenche qualquer distância. E te sinto em cada passo, em cada ato que pratico, em cada medo que desfaço, em cada lembrança que relança a esperança de ver seu rosto de criança na próxima esquina. A pureza de seu semblante simples que carrega meu juízo para além destas ruas. Deixando minhas vontades todas nuas, minhas verdades todas cruas e os dias com sóis e luas de tão completa a minha felicidade ao percebê-la.

Queria que se apagassem as estrelas nesta hora. Para que os incautos percebessem que elas apenas refletem o rutilo que vem de sua direção. Apropriando-se da propriedade intrínseca da sua personalidade brilhante e reluzente. Que você nem sente, quase que dormente. Os astros noturnos então te seguem e perseguem sua posição. Querem ser expectadores de sua linda passagem. Tentando aprender aquilo que não se ensina por não haver meio. O que não se da por não se possuir. Este seu jeito, seu acerto, seu defeito, sou eu quem nota. Talvez, quem sabe uma vez, ou outra, seja possível a ti, sentir o quanto te percebo; o como te concebo.

Por mais que pareça exagerado, desmedido e sem propósito é normal, sincero e real. Duvido que aquele verbo agregue todo o valor que lhe meço. Que caiba em quatro letras a imensidão de sentires que afloram ao som de seu corpo intenso. Desconheço a palavra, ou conjunto delas, que revele a descrição de sua nudez desfeita pelo meu toque, na mais completa escuridão, ausentes de visão. Quando seu contorno vem à mente pelos caminhos trilhados por meus dedos que te enxergam mudos, sem dizer sequer uma sílaba.

É para estas horas de estar sozinho que me preparo quando fico a te admirar. Por saber que estes momentos ainda são necessários é que lhe interiorizo. Percebo cada gesto. Sua voz, seu andar, seu perfume. Teu gosto fresco que me inunda o paladar e sempre desconcerta minha noção de certeza. Sua imparidade de beleza, sutil, ardil, febril, desarma qualquer defesa que eu nunca tive. Se te abrigo no meu abraço é por que preciso sabê-la por inteiro nestas temporadas de singular morada. Vives em minha existência e serei seu pelo tempo que a vida permitir.

Volte logo, amor da minha vida. Pense em mim, para que minha nuca esquente. Para que eu tenha as orelhas vermelhas de tanto você lembrar. E que não demore para que eu sinta seu cheiro pela escada. Para que eu me veja nos teus olhos marcados, esverdeados. Que eu possa em breve estar, mais uma vez, fluindo amor em sua boca.

Como já disse antes, ao seu lado não é lugar; é o único momento, em que existo feliz. Amo você, criatura!

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