7.12.04

Estrelas

No começo elas nem se olhavam, não se conheciam nem sentiam realmente a presença uma da outra no lugar comum que partilhavam. Estavam ali todos os dias e simplesmente ignoravam a beleza uma da outra. Tinham brilho próprio e intenso e todos que as admiravam ao longe, de longe, não podiam realmente distinguir sua beleza e luz. Elas mesmas não faziam outra coisa a não ser viverem suas próprias vidas, adorando seu próprio brilho.
A luz do dia não proporcionava o espetáculo. Neste período é o sol que ilumina e toma conta de todos os olhares, chamando para si, com exclusividade, a atenção de todos. Mas tanto brilho pode ter efeito contrario ao desejado. Não há quem adore ao sol mais que a si mesmo, pois contempla-lo por muito tempo não é tarefa possível para qualquer ser humano. Tanta beleza ofusca e seu brilho acaba por ser perigoso.
À noite não! A noite é democrática por excelência. Linda realmente. Nada é concentrado ou único. Não existe, aparentemente pelo menos, um ente entre os demais que esteja lá, sozinho e destacado. Existe brilho por todo o céu. Para onde se olha se vê um ponto iluminado, uma estrela a brilhar de forma exclusiva e maravilhosa.
Eis que numa destas infinitas noites o que podia ser impossível ou, quase em todo, improvável, deu o ar de sua graça: duas estrelas, igualmente brilhantes saíram de seu estado de amor próprio e enxergaram a outra logo à frente. Duas estrelas lindas que agora se encontravam completamente apaixonadas. Passaram a dar valor ao restante da constelação ao redor e percebiam, agora, que o mundo podia ser mais que uma noite apenas e que uma noite apenas era tudo que elas queriam que o mundo realmente fosse.
As estrelas começaram a se conhecer melhor. Pulsavam alegremente, queriam realmente que a outra a quem adoravam percebesse a diferença de seu brilho entre as demais, naquelas noites de céu estrelado. E mesmo quando tudo estava nublado ou uma nuvem teimosa impedia que elas se vissem, era sabido que estavam pensando uma na outra, que estavam se querendo e que cada amanhecer, apesar de finalizar mais uma noite, traria de volta a esperança de mudar tudo na noite seguinte.
As apaixonadas de brilho intenso, se viam num dilema triste e ao mesmo tempo estimulante: elas tinham tudo para ser os astros mais felizes do universo, mas sua condição de estrela, naturalmente as impossibilitava de estarem uma com a outra. Nem todo brilho, nem toda beleza, nem mesmo a capacidade de estar longe de qualquer perigo ou dor supria a falta que o outro fazia. Estavam sempre ali, próximas, ao alcance dos olhos, entretanto não podiam tocar-se, era impossível sentirem o calor uma da outra a possibilidade de um dia estarem juntas poderia fazer o céu ruir e tudo se perderia por uma noite.
Tudo o que?-pensou uma delas - Que mais faço eu na minha existência de bilhões de anos senão brilhar como todas as outras, para que me contemplem? E justo agora que há um motivo para se viver o mais certo que se tem a fazer é poder morrer por esta felicidade.
E as almas gêmeas bolaram um plano que só podia dar certo. Juraram para si mesmas que iam fazer de tudo para estarem juntas o mais cedo possível apenas e justamente as duas já que não há motivo para estarem separadas mesmo que tenham entre si uma impossibilidade universal.
E naquela noite a lua parecia estar mais linda que nunca. Enorme, tomando conta do céu, exatamente como elas queriam, pois era preciso não chamar muita atenção para aquilo que elas estavam prestes a fazer e que podia ter conseqüências catastróficas. Eis que as duas estrelas apaixonadas começaram a brilhar e emitir energia como nunca. Os mares em reverencia a força daquele sentimento pareciam criar as maiores ondas já vistas, como se quisessem mostrar que mesmo ele, preso em sua própria imensidão era capaz de fazer todo aquele movimento. Uma brisa leve e constante tomou conta do ar e a paixão daquelas estrelas fez com que elas mudassem de cor. Elas vibravam tanto de vontade que já estavam avermelhadas e era impossível não perceber todo o processo que se iniciava no céu.
A lua, companheira de sempre, deve ter percebido a intenção das duas sapecas e dispos-se a brilhar magnificamente e pode mostrar o caminho mais curto entre as duas. Estava tudo pronto e elas começaram o trajeto que com certeza daria certo.
Começaram a chamar uma pela outra, mirando toda sua luz para onde queriam e desprenderam-se de seus lugares, pré-definidos, e rumaram em direção do seu único e derradeiro encontro. A velocidade era inimaginável e a força daquele momento mudou o céu por completo. Não havia nada mais além daquele movimento em direção a felicidade completa, nada os impediria agora e o maior sonho deles estava se realizando naquele momento.
Sempre achamos que estrelas cadentes se movimentam para realizar nossos desejos, mas nos enganamos muito com elas. Elas se movimento rasgando os céus para se encontrarem e se amarem, pois a externalidade, muda e estática, é uma prisão inconcebível para amores, que não podem ser contidos. Estrelas cadentes desafiam o impossível por apenas um instante, o instante em que seu amor é possível e este segundo de liberdade vale mais que qualquer tempo na eternidade.
Nossas estrelas se encontraram e a explosão que elas ocasionaram foi mais forte que qualquer luz do dia pode ser e, neste momento, todo o céu se rendeu à força de um amor que mesmo contra toda a história dos tempos fez o necessário para se manter vivo.
Estes brincos são uma lembrança apenas e um exemplo de nossa história como a história das estrelas. Aparentemente eles nunca se encontram, pois só os vemos separados, um em cada orelha, mas poucos percebem seu momento posterior quando saem delas, ou o anterior, que a pouco você realizou, quando os colocou em suas mãos para abrir esta carta e poder lê-la. Se quisermos, eles podem sim, permanecer juntos
Suas mãos são um mundo e você querendo, eu estarei nelas, como já estou.

Adoro você do verbo! Muita coisa.


P.S: Esta carta foi dada junto com um par de brincos em formato de estrelas. Esta pessoa desafia o conceito de Impossível. É uma pena sermos um casal perfeito na existência errada. A falta de coragem injustifica o medo e faz dele uma desculpa para a infelicidade completa.

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