21.7.05

Convívio

Há horas em que a vontade é arrebentar tudo
Destruir todas as fragilidades próprias
Fazer sucumbirem as defesas mais imponentes
Subjugar a prepotência alheia esmagadoramente

Esmigalhar qualquer atitude de resistência

A facilidade de agir inconsequentemente é deliciosa
Devastar, humilhar, espezinhar é fácil e natural
Tornar a paz um bem inalcançável, distante; errante
Exercício de ignorância plena, intensa, bestial

Tempo onde nem o mais celestial dos anjos reza

Por não ter sossego
Preocupado com a manutenção de sua vida
Retira as asas que agora pesam
Levanta os joelhos da calmaria segura e firme do solo

Exercitando o equilíbrio sobre pés frágeis, finos: franzinos

Como é densa a carne que levamos
O prazer proporcionado equivale à dor que ela suporta
Cada golpe, cada bofetada, cada espinho
O sorriso, o carinho, nosso vinho

Sentimos na vida o que passamos

Exacerba a concretude imediata e física
Infernalmente, nascemos sabendo
Invertidamente, uma analogia errada
Pois nem sempre o que dói é ruim ou mau

Afastamo-nos do instinto primário e salvador

Deixamos de ser animais e nos animalizamos
Absorvemos a sutileza da vida em comum
Tornando-nos sarcásticos, cáusticos, ácidos
Enchemo-nos de preconceitos

Convertendo-nos em enormes vazios

Cheios de nada até as grimpas
Envaidecidos por sermos apenas diferentes
Quando deveríamos ter nojo do que nos tornamos
Meros repetidores, receptores

Temos a obrigação de ser condutores

Convertendo a inimizade em entendimento
Levando a diante desejo de vida
Contrariando ensejos de alheia morte
Espalhar pensamentos de puro querer

Mas isso é diferente, incomum: perigoso

Imperceptível este desapegado
O quase santo que ama e peca
Com nome comum e simples
Perambulando entre os normais mortais

Sejamos nós, este pilar exemplificante

Traga para o seio de suas responsabilidades
Ser autor de lindos atos
Tão importantes quanto vulgares
Intente sua repetição aleatória e constante

Ensine como reproduzi-lo em série

Continue querendo destruir tudo de podre
Nefasto, vil, obtuso, abjeto
Mesquinho, pequeno, incorreto
Prime pela perfeição da eterna tentativa

Podemos ser melhores a cada instante

Irá sangrar e doer certamente
Perderemos carne e ganharemos alma
Trocaremos a ansiedade pela inexorável calma
Porém, sentiremos menos pavor

Deflagraremos um antes perdido mistério

Destilando amor do ódio
No aprendizado pelo bem frente à dor
Pois existe o retalho do frio
Mesmo sob intenso calor

Levemos a felicidade mais a sério

Pois somos muito a fazer
Por nos próprios, por quem merecer
Pelas mãos estendidas pelo caminho
Através de punhos cerrados a combater

Pelo prazer da arte que é conviver

Nenhum comentário: