23.6.05

Destinatário: Eu

Assusta a incapacidade de ser capaz
Teimosia de fazer de tudo para não fazer
Encostar a vida na vida alheia
Como se fosse permitido sorver a energia dos outros

Como vampiros de vontade

Sugando a seiva santa do querer
Residente em esforços que se esforçam
Em corpos que se cansam pelo cansaço justo
De terem feito tudo à exaustão

Por desejarem ir até o fim

Que não é e nem deveria ser
Um simples desfecho comum
Exacerba esta mera percepção física do ato
Fim é a certeza do novo recomeço

Aquele suspiro fundo, precioso; profundo

Como o mergulho delicioso que o sucede
Um vôo alucinante de asas abertas
Flertando com um céu de cor indescritível
Pois de olhos fechados não se teme a queda

Queremos apenas a sensação libertadora de cair

Se for num colo hábil e caridoso
Haverá conforto e aconchego
Um cheiro gostoso no pescoço
Cafuné demorado e um chamego

Despreze outra coisa

Querer as boas situações da vida não é proibido
Parece intocável, descabido
Quase um pecado oferecido
Quando felicidade é mais pertinente que a própria vida

Queira todas as coisas boas que o mundo oferecer

Sem ser promiscuo ou deliberado
Liberto sem libertinagem ; concentrado
Com cuidado, mas sem ter medo
Saber parar sem ficar paralisado

Buscando o equilíbrio satisfatório da satisfação

Extrair o máximo das pessoas e momentos
Sem, portanto ou contanto, usurpá-las
Certas vezes pedir um pouco mais, descaradamente
Em outras ser duro, sincero e com candura

Ser aquilo que todos sonham ser

Erramos quando elegemos um exemplo
Um ser divino que mora fora
Instante único que não demora
Alegria falsa que nunca chora

Achamos sempre que este outro não somos nós

Note a completa idiotice
Doar sua vontade a qualquer eleito
Que por mais bem intencionado que seja
Nunca alcançara o seu efeito

Inexiste alguém que melhor nos conheça

Sejamos domadores dos ímpetos que impulsionam
Responsáveis pelas verdades que construímos
Sujeitos das mentiras que contamos
Donos irrestritos da vida que cuidamos

Acordemos para a feroz e absurda realidade

Escondemo-nos tanto de nós mesmos
Fugimos o tempo todo deste desconhecido
Tememos incessantemente
Algo completa e absolutamente indolor

Feito palhaços vestidos de carrascos

Desperdiçando todo o preparo dispensado
Pintamos o rosto
Desenhamos sorriso
Calçamos esperança

Para depois vestirmos capuz e manto

Falsários por trás das ordens de um rei sujo
Que sequer macula suas mãos
Assépticas de suas tiranias sórdidas
Personificadas no açoite de nossas forças

Castigamos como se fossemos os próprios

Lavo meu rosto no espelho da minha vida
Enxergo um homem normal e feliz
Que tirou do carrasco o capuz
Do palhaço o nariz

Mantenho da maquiagem o sorriso que com minha alma condiz

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