Um dia fui criança
Agia por puro instinto
Sabia por apenas ver
Quem poderia verter carinho
Dom de quem se sabe sensível
Uma entrega mortal
Que faz vida em cada ser a minha volta
Minha fragilidade certeira
Densa como um pilar ainda em construção
Imaginação é lugar indestrutível
O mundo acerca, nos cerca
Começamos a aprender o que devíamos desconhecer:
Selecionar pessoas
Nossa visão de nós mesmos define os outros
Procuramos nosso eu em cada um que se aproxima
O que nos vem é repulsa
Trabalho duro este de separar vidas
Com braços curtos e dedos frágeis
Quando seria bem melhor abraçar a todos
Convulsionarmo-nos em uma hiper dose de sentir
Apreender o outro
Olhar direto em seus olhos
Mirar-lhe a alma
Absorver sua imensurável verdade
Acreditar que amar é mais que toda esta armadura
Armada para privação
Deixar de sofrer um ato não vivido
É entristecer uma alegria incomeçada
Por simplesmente não ter deixado acontecer
Começamos a andar justo quando devíamos apenas engatinhar
Pra que alguém nos olhasse
Pegando com carinho e alento ao colo
Aquela criatura que se esforça para ser forte
Esticando a coluna para postar-se de pé
Nesta posição o coração fica exposto
Agora os braços fortes
Protegem dos perigos físicos
Pois querer sentir outro alguém
Não é palpável; é louvável
Entrega feita sem protetorados
Houve um tempo em que era fácil
Enganar que sabia o amor
Flexibilizava meus desejos
Niilista aos apelos do outro
Distanciava quem mais queria próximo
Adultifiquei-me e deixei de sentir o externo
Vesgo pela contemplação de mim mesmo
Fui ficando torto, absorto
Um ser vivo quase morto
Quando tive a decência de chorar
Deitei no chão sujo e disforme da minha onipresença
Ralei meu corpo no encosto bêbado de minhas crenças falsas
Degolei meus pés que invertidos
Explodiam em dor uma cabeça repleta de agonias vis
De joelhos voltei a ser criança
Olhando aqueles olhos enxerguei esperança
Pedi seu colo e conquistei lembrança
No tocar de pele o encontro reconfortante
No alisar do rosto, minha vida: um instante
Percebi que me dar era tudo que queria
Ininteligível esta obsessão
De querer apenas felicidade
Quando a dor nem sempre é o sofrimento
As vezes, indispensável, à adiantada e irremediável vitória
Ganho meu ser a cada dia
Tem dias que sofro e agradeço
Em outros estou alegre e cresço
Através das horas aprendo e mereço
Em sua vida sou eu mesmo e reconheço
Ser sua criança é amar e não tem preço
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