9.11.04

Zibio e o Amor

Sua mãe sempre dizia:
-Zibio meu filho, nunca misture o trabalho com sua vida particular. Se acontecer é FODA.
Zibio era um moleque de apenas sete anos quando escutou isso pela primeira vez. Era sempre a mesma história. Todo o dia, pelas tantas da noite o infeliz escutava o recado de sua mãe, que descia do segundo andar da casa muito cansada.
_ Mãe, porque você não descansa um pouco. È muito trabalho todo dia Você vai acabar morrendo disso.
_NUNCA MAIS REPETE ISSO FILHO DA PUTA!! RESPEITA-ME.PORRAAA!
_PÁRA MÃE, NÃO ME BATE, Me desculpa. O que foi que eu fiz?
Já era tarde para se livrar de mais uma sessão de surra. Zibio entrara na porrada outra vez. A costumeira surra do dia. A surra que fazia sua mãe se libertar. No fim do expediente de sua mãe era sagrado. Sempre apanhava. Mas tinha a recompensa: o carinho. O filho era confortado por sua mãe querida. Ela cuidava de seus hematomas, o colocava no colo, beijava sua feridas e hematomas, cada pedacinho que ela machucava ela beijava, acariciava. Passava mercúrio cromo pelo corpo de Zibio, um garoto que nunca tinha visto a rua. Branco como claras batidas em neve. Cuidava do seu pintinho de garoto todo marcado pelos beliscões que ela aplicava diariamente
_É pra ficar bastante grosso. Dizia ela.
Assim cresceu Zibio. Não tinha pai. Se tinha, não saberia quem ele era. Sua mãe nunca tocou no assunto e ele não ousaria perguntar. Tinha medo.
Era mais ou menos onze e quarenta da noite. Terça-feira. Sua mãe já tinha encerrado o expediente do dia. Zibio já era um rapaz. Grande, forte de tanto tomar porrada de sua mãe e acostumado que estava, já gostava da coisa. Tinha tomado banho pra esperar a mamãe. Banho de chuva. Daquelas torrenciais. Gotas que pareciam pedras de tão pesadas e geladas. Teve que tirar seu chinelo de tiras de pano pois o quintal da casa estava lama pura. Era a primeira vez que Zibio saía da casa. Quinze anos preso naquela casa sem ver a rua onde morava e quando o fez pela primeira vez foi num dia tétrico como aquele e mesmo assim não viu a rua; o quintal era todo murado e arborizado. Ele estava adorando. Arrepiava-se assustadoramente e pensava como era lindo aquele cinza do céu na noite de tempestade.
_Noite linda. Mamãe deve estar bem brava me esperando. Vou ganhar muitos beijos depois. Obrigado Deus por esta noite horrível.
Realmente estranha aquela criatura. Rapaz novo e cheio de travas e manias. Castrado e aprisionado num cativeiro familiar se é que se pode chamar isto de família ou de ambiente. Depois do ritual de batismo, Zibio entra, coloca a mesma calça surrada sobre o corpo e senta na cadeira em frente à escada para esperar sua mão descer. Os pensamentos começam a atormentar:
_Cadê a filha da puta da mulher que não desce caralho! Essa porra de espera só faz piorar as coisas. Só vai dar tempo pra ela me sentar o braço. Se der a hora dela dormir eu nem cafuné vou ganhar. Vou entrar na porrada e nada de consolo. Nada de carinho. Vou deixa-la enfurecida.
Neste exato ele começa a gritar:
_Manhê! Morreu de tanto trabalhar porra!
Num dia normal aquilo já seria motivo para um espancamento. Com toda aquela chuva e com o movimento fraco, sua mãe já devia estar possessa, entorpecida pala raiva e ódio que ela fazia questão de alimentar a cada dia, ódio dele mesma, do mundo que a tinha construído. Ela tinha sonhos. Todos desfeitos. O único ainda vivo estava lá embaixo, coitado, pervertido, desfigurado pedindo para ser açoitado pela covardia em forma de violência. Zibio parecia saber os motivos da sua mãe. Ele a amava demais.
Cada degrau que estalava era um pesadelo para Zibio. Ele estava invadindo o santuário de sua mãe. Um solo de labuta onde sua mãe ficava labutando todo dia. Atravessar a porta do escritório seria um sacrilégio. Mas ele já estava tomado pela vontade quase satânica de invadir o recinto quando o vento fechou todas as entradas de ar da casa, empurrando-lhe como uma pluma fazendo com que ele violasse o sacro local.
A visão era infernal: o quarto, ao contrário do resto da casa estava um luxo só. Totalmente iluminado, arrumado e perfumado. As vestes da cama eram limpas, brancas como neve e a luz trazia um conforto que Zibio nunca antes havia experimentado. Sua mãe estava lá. Linda, com a face púrpura e feliz. Sorrindo e definitivamente morta. Nua em pêlo, com o sexo a mostra e totalmente usado, inchado. Mas Zibio não sabia disso. Só sentia uma vontade enorme de fazer o que ela fazia. Beijar e acariciar seus ferimentos.
Surrava a mãe que estava ali deitada, mortalmente oferecida e sem resistência. Espancava e beijava. A cada ferimento na carne morta um carinho mórbido, um beijo de consolo e desejo, um sentimento impregnado de redenção, desejo e morte.
O ritual durou dois dias e Zibio não saía da casa, dormia ao lado daquilo que tinha encontrado.
O vizinho sentiu que o movimento da casa diminuíra e foi até lá, pois já sentia o odor putrefato que tomava conta da casa. Ele trabalhava no Iml da cidade, era chefe lá. Entro na casa e viu aquela cena. Levou o corpo para o devido local, Zibio foi junto. O vizinho passou a ajuda-lo. Zibio agora tinha um emprego.
Ele chamava seu local de trabalho de “esconderijo de mesas”. Todo dia recebia visitas. Sempre ia alguém pra lá. Pessoas com quem ele conversava e dependendo da aparência e da atração, às vezes rolava até sexo. Uma coisa brutal, animalesca. A quarteirões de distancia escutava-se Zibio urrar de prazer, ele gritava com as pessoas com quem mantinha aquelas relações. Chamava todas aquelas mulheres mortas do IML pelo nome da própria mãe. Foi preso no seu local de trabalho numa noite de chuva como aquela em que sua mãe morreu.
Ela era prostituta, Zibio era filho de um de seus clientes. Ela descontava nele a dor de uma vida de merda, por ter sido uma merda de mãe. O infeliz do Zibio sempre soube disso e tinha o sentimento de amor por aquela mulher. Ele retribuía aos corpos sem vida que ele via o carinho que sua mãe lhe ensinara. Em sua cabeça doente aquilo era amor. Algo frio, desfigurado e movido pelo ímpeto de destruição e morte.
Deus tenha piedade de Zibio. Mais um produto de uma criação irresponsável dada por um fruto de sociedade doente.

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